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Questões de escala

É preciso uns dias para uma pessoa se ambientar à Índia. Apesar que já ter viajado por vários países que nos parecem muito “diferentes”, esses dias de ambientação são quase obrigatórios.

Mais do que isso, esses dias são necessários para mudar de chip. Do chip Europeu para o Asiático. Do organizado para o desorganizado. Do limpo para o sujo. Do “preço fixo” para a negociação. E, não menos importante, do homo economicus sentado à secretária e mergulhado em post-its e folhas de cálculo que, esperançosamente, lhe possam mostrar um caminho milagroso onde meter o pouco dinheiro e conhecimento que lhe resta (O que é que vais fazer quando regressares? Não sei, pôrra, ainda não sei!)… para o jovem viajante, turista profissional de mochila às costas que sabe sempre o que quer e para onde vai, apesar de estar quase sempre perdido.

Mas depois do chip mudado… mundo! Tudo isto é um verdadeiro desafio aos sentidos e emoções, uns caos organizado com demasiadas facetas para se conhecer em tão pouco tempo.

A Índia deve ser o melhor país do mundo para tirar fotografias. Quando se acha que se sacou a foto do dia, logo vem mais uma imagem, um vestido, um momento, uma cor. Click, click, click! Em Varanasi, passei por um que não tirava o dedo do gatilho. Vai dar, de certeza, para fazer um filme mudo.

É difícil, pelo menos por enquanto, tentar explicar por palavras a intensidade e dimensão do que se vive aqui. Mas, na escala “Adorar vs Detestar”, estou, decididamente, a cair para o lado do “+”.

O livro dos segredos

- Isto não vem nos livros da Heidi! - costumava dizer um antigo professor da faculdade quando achava (e achava sempre) que nos estava a ensinar alguma coisa realmente importante.

A Heidi a que ele se referia, não era a do avozinho que mora nas montanhas. Era a outra, a mulher do Alvin. E, quando queria mesmo provocar (e queria sempre), acrescentava com um sorriso sarcástico:

- Muito menos na “Olá dos negócios” - querendo-se referir a uma das pseudo revistas de gestão que estava na moda na altura (e deve continuar a estar porque ainda a vejo nas bancas).

A Índia vem nos livros. Em todos. Em todos os que interessam por agora, pelo menos. Vem nos guias e nas revistas de viagem, vem na lista de viagens de sonho de muitos nós (na minha não vinha), vem em documentários de televisão, vem nos restaurantes chiques a que gostamos de ir ao fim-de-semana, vem nas histórias de aventuras de amigos e conhecidos. “Ou se adora ou se detesta” é o cliché habitual. É o que vem nos livros.

Faço todos o dias um esforço grande para meter na cabeça que esta Índia que estou a ter o privilégio de ver é a mesma que está prometida para ser uma das próximas super potências mundiais. A mesma do “silicon valley” asiático, a mesma que tem um programa espacial ambicioso. Pergunto-me quantas destas pessoas têm a real noção da dimensão (em todos os aspectos) do seu país.

Sim, está cá tudo bem à mostra. A poluição e as obras intermináveis do caos urbano de Delhi, a miséria, as pessoas (pessoas?) largadas semi-nuas pelo chão, a sujidade, as vacas e o seu estrume, as crenças religiosas a raspar o fanatismo, os hábitos estranhos, as contínuas tentativas de impingir mais qualquer coisas, de enganar o próxima (sim enganar, não me venham com coisas), os banhos no Ganges, que, à vista humana, só podem fazer mais mal do que bem.

Mas com essas coisas é relativamente fácil de lidar. Basta fechar os olhos e seguir em frente, tal como vem nos livros. E, de preferência, a alma e o coração também.

O verdadeiro enigma deve ser o resto. O que está debaixo desta camada superficial e que o pateta do turista distraído (incluo-me, obviamente, neste grupo) não consegue decifrar. E isso, desconfio eu, não deve vir nos livros da Heidi.

Mahatma